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Parece inverossímil, mas é real, estamos chegando, com todas as escoriações e dores decorrentes dos tropeços e das quedas que tivemos, ao final deste transfigurado ano de 2020. E, assim, 2021 será o primeiro ano do resto de nossas vidas, muitas delas estropiadas, rotas, e carentes de ressignificação.
Naturalmente, os leitores mais atentos (e mais entrados nos anos, como se dizia antigamente) já perceberam que o título do texto não é original. Sim, tomei-o emprestado da criativa tradução brasileira do nome do filme St. Elmo's Fire, do diretor Joel Schumacher, lá dos anos oitenta do século passado, de 1985, para ser mais exato. Schumacher, posteriormente à referida película (naquela época ainda se usava película), dirigiu vários outros filmes de sucesso, como os da série Batman. Mas não é de cinema ou da obra do diretor nova-iorquino que quero falar.
Por outro lado, a apropriação do título, esclareço, se dá não apenas porque gosto dele e o acho criativo, mas também porque a lembrança do filme permite fazer uma analogia entre o tema sobre o qual o mesmo se debruça e nossa situação diante da realidade vivida neste anômalo ano que finda e da perspectiva de futuro que, com olhos meio vendados, podemos divisar.
Explico-me. Sucintamente, o filme aborda a vida de um grupo de sete amigos recém-formados, que querem manter a amizade construída no doce tempo acadêmicos, e de seu complicado ajuste à vida pós-universitária, com insegurança profissional e instabilidade emocional, diante da necessidade de encarar o difícil mundo real e a vida adulta com seus ônus e responsabilidades, que põem em risco até mesmo a preservação da amizade entre eles, até então julgada indissolúvel.
Pois, nossas vidas passaram, passam e passarão, neste ano de 2020 e nos próximos, por este antes impensável e duro choque de realidade, que nos traz inseguranças e nenhuma certeza quanto ao que seremos amanhã e quanto às nossas relações com o próximo e com o mundo que nos cerca.
De alguma forma, como as personagens do filme, estamos todos carentes de um norte, de uma boia, de um porto seguro, pois nossas velhas certezas já não se sustentam e naufragaram, e muitas das nossas fortalezas anímicas ruíram. Verdade, que outras tantas se ergueram, mas ainda estamos inseguros quanto à efetiva consistência de suas paredes e muralhas.
Por isso, a despeito da chegada da vacina - no Brasil com o rotineiro atraso, mercê de nossa condição de país periférico, conduzido por ignorantes que parecem se orgulhar dessa condição - até que se produzam as condições imunizadoras necessárias à normalidade das antigas rotinas de vida, ou algo próximo disso, nossas fortalezas anímicas serão testadas muitas vezes. De qualquer forma, é maravilhoso que consigamos chegar com um mínimo de sanidade física e emocional ao primeiro ano do resto de nossas vidas - permitam os céus, não seja o último -, com tempo, portanto, para nos adequarmos à vida nova, ressignificada, que teremos pela frente.